Manajj: o legado do "mulek zika" 01.11.14 18:30
São poucos os jogadores de League que estiveram presentes em todas as principais decisões do cenário competitivo brasileiro. Também são poucos os que conquistaram tantos fãs e amigos por onde passaram, mas são muitos os jogadores e torcedores que vão sentir falta de André “manajj” Rocha, o eterno “mulek zika” de Taguatinga (DF), que recentemente anunciou sua aposentadoria do LoL profissional.
Mana vai deixar de ser o terror dos rivais com seu Corki e sua Tristana explodindo tudo ao lado do fiel escudeiro Alocs, mas vai continuar fazendo parte da CNB, transmitindo suas sempre divertidas streams e, quem sabe, curtindo com a torcida nos eventos.
Para relembrar a história de mana no League of Legends brasileiro, conversamos com ele por email e reunimos fotos e vídeos dos grandes momentos. Espontâneo como sempre, ele contou de suas origens no jogo, comentou as conquistas e derrotas que fizeram parte da sua inesquecível jornada.
Puramente Casual
“Eu não era um aluno tão bom, já matei muita aula pra jogar videogame”, confessa manajj. “Sempre fui uma pessoa de boa, tinha amigos na escola e dentro dos jogos que jogava. Minha relação em casa sempre foi e ainda é muito tranquila também”. Isso foi um quesito importante para o sucesso que mana viria a ter como jogador e streamer, já que conquistar a torcida e os jogadores ao seu redor sempre pareceu tarefa fácil para ele – como se fosse uma habilidade passiva imune a “nerfs”.
A carreira de mana não só coincide com os primeiros passos do cenário competitivo brasileiro, como faz parte dessa evolução. Ele foi o Atirador do que viria a se tornar a primeira equipe patrocinada do país, a Experience Games (cujo dono era o narrador Diego “Toboco” Pereira). “Um deles [dos jogadores da equipe] eu já conhecia aqui da minha cidade, e jogava Dota com outros amigos. Ele me viu jogando e me chamou”, lembra manajj. “Era mais um hobby mesmo, eu me esforçava para ser bom, e gostava de jogar com quem era bom. Já era meio ‘high elo’ na solo queue (filas ranqueadas) e treinava lá, mas nós como time não nos juntávamos muito. Eu era meio molecão ainda e não ligava muito para os campeonatinhos da época, fazia mais pelos prêmios de RP”.
Mal sabia ele – e seus colegas de time – que aquele hobby poderia se tornar o que é hoje. Os campeonatos da época davam premiação em RP, e “servidor brasileiro” era uma expressão alienígena: todos os brasileiros jogavam no servidor da América do Norte, já que o nacional ainda não existia. Da primeira equipe com patrocínio, mana evoluiu para fazer parte da primeira equipe mais profissional do cenário, quando a organização paiN Gaming decidiu contratar a exP Games, no começo de 2012.
“Fiquei surpreso com a proposta e feliz ao mesmo tempo”, recorda o Atirador. “Conquistamos a vaga para a IEM 2012 pouco depois de entrarmos, e eu só fiquei feliz demais por ter conseguido, não tinha muita ideia da proporção que aquilo iria tomar. Para os meus pais falei na lata mesmo, ‘mãe, vou pra São Paulo jogar e tem uma premiação em dinheiro’, e nesse momento eu já estava começando a olhar com outros olhos para tudo aquilo que envolvia o jogo”.
Apesar do favoritismo contra outras equipes da época, a paiN acabou sendo eliminada por Noobs da Net (que tinha um certo brTT como Atirador) e depois para a wWw (com Kalec, yeTz e Alocs). Pouco tempo depois, mana saiu da paiN Gaming, mas não guarda mágoas. Ele reconhece que não estava em um bom momento na equipe, e foi substituído exatamente por aquele que viria a ser seu maior rival (e grande amigo) durante a carreira, brTT.
Após a sua saída da paiN, manajj teve de fazer uma decisão que mudaria a sua vida no jogo. Ele era um jogador acima de tudo esperto e de posicionamento exemplar, e seus campeões preferidos refletiam esse seu perfil: Corki, Ezreal e Kog’Maw são Atiradores que necessitam de suas habilidades para conseguir colocar a maior quantidade possível de dano em uma luta, e para isso a inteligência e movimentação do Atirador eram cruciais. Isso tudo fazia com que muitas equipes olhassem para ele, e assim ele entrou para a vTi Gaming. “A vTi foi a junção de dois times, e era o primeiro contato com algum tipo de patrocínio maior. Já havia visto o Alocs jogar diversas vezes, e achava ele muito bom. Foi divertido me juntar a ele para formar uma nova bot lane e aprender coisas novas”.
Um dos principais capítulos de mana na história de LoL começou em agosto de 2012, com um Amistoso Oficial na cerimônia de abertura do servidor brasileiro. Mesmo com o favoritismo em mãos, manajj e sua equipe foram atropelados pela CNB em partida única. “A vinda do servidor foi uma evolução muito boa para a cultura de eSports no país. Fiquei muito feliz de estar de novo podendo participar de um evento presencial, mas logo depois muito triste por ter perdido... Aquilo foi o começo da minha real vontade de ganhar um campeonato”.
E essa vontade se tornaria realidade apenas dois meses depois, em final contra a equipe-irmã vTi.Nox. O Campeonato Brasileiro de 2012 ocupou um palco na BGS 2012, marcando a ocasião como o primeiro campeonato oficial de grande porte no país. Lá estavam as oito principais equipes do cenário, e muitos dos jogadores que se tornariam os melhores do país. “Fiquei de cara com a estrutura que o cenário estava ganhando, e eu estava nervoso demais, mais do que nunca, por estar lá no palco jogando. O sentimento quando ganhamos foi de satisfação e felicidade. Fui dormir com o pensamento de ‘Mano! Consegui!’”.
Mudanças e profissionalismo: Era CNB
Mesmo com a conquista do CBLoL 2012, o time da vTi.Ignis se dividiria pouco tempo depois, com a vTi.Nox e a Insight eSports seguindo o mesmo rumo. Assim, três das quatro principais forças do cenário haviam acabado, e os jogadores estavam disponíveis. “Foi triste. Vi que o cenário estava ficando mais sério e a amizade não era mais o suficiente para manter um time”, recorda manajj. “Snowlz, Rafes e Mylon quiseram seguir caminhos diferentes, eu e Alocs também, takeshi, Danagorn e LEP também. Parecia perfeito para tudo se encaixar. Continuei com Alocs. Sempre me dei bem com ele, e resolvemos continuar jogando juntos”.
Saíram Snowlz, Rafes e Mylon, entraram takeshi, Danagorn e LEP, formando a Nex Impetus. Porém, a equipe não engrenou tanto com LEP, e ele foi substituído por Leko, que estava sem equipe. Era o começo da formação que marcou história por seu alto nível e carisma, conquistando grande espaço no competitivo de League brasileiro: a CNB.
Na temporada competitiva de 2013, torneios online e a BGL Arena davam pontos para a classificação rumo ao Campeonato Brasileiro. Devido à rivalidade das torcidas, o principal clássico da época era CNB x paiN Gaming. “Acho que os duelos do Kami contra o takeshi e do brTT contra mim chamavam bastante a atenção, e a galera gostava de ver isso. Todos nós ficamos impressionados com o quanto tudo aquilo havia crescido, estrutura, torcida e nível dos jogos. Parecia coisa de outro mundo subir no palco do CBLoL 2013 e ver aquele mar de gente... Fico feliz só de lembrar”, diz manajj. “Tirando a zebra de a Keyd ser eliminada na fase de grupos por 0/3, tudo estava como imaginávamos ser. Tínhamos boas chances de vencer a paiN na final, mas eles estavam mais bem preparados dentro e fora do jogo”.
Na final, a CNB venceu a primeira partida, mas acabou levando a virada de uma paiN muito inspirada: 3 a 1 para o time de Venon, SirT, Kami, brTT e Espeon, e vaga para a paiN no International Wildcard daquele ano.
Ainda àquela época, era comum ver equipes se dividindo após grandes derrotas, como foi o caso da Keyd. A CNB, porém, não seguiu o mesmo rumo. “Acho que a nossa amizade foi a chave para nos recuperarmos e continuarmos unidos, ainda queríamos ser campeões juntos”, aponta manajj. “Não abaixamos a cabeça. Após a derrota, estava todo mundo com sangue para vencer, né. Esforço e determinação era mato pra gente”.
No lugar mais alto
O trabalho se pagou. Apenas três meses depois de perder a final do Campeonato Brasileiro, a CNB voltou a palco presencial para o Desafio Internacional, primeiro torneio oficial com equipes estrangeiras no Brasil. “Com certeza estávamos muito mais focados no que queríamos e treinamos demais até estar tudo como queríamos pro campeonato, e deu no que deu”, recorda o Atirador. A CNB eliminou os peruanos da Arenales Net Games por 2-1, e fez 2-0 contra a KaBuM na semifinal. A grande decisão, mais uma vez, seria contra a paiN, que havia eliminado Renegades of Hell (Chile) e Isurus (Argentina).
Com um desempenho muito forte, e embalada pela torcida, a CNB levou o título por 2-1. “Tivemos uma vitória muito convincente. Digo de boca cheia que erguer aquele troféu com meu time ao lado e todos ao redor gritando foi o melhor sentimento que já senti até hoje dentro desse jogo”.
Com a CNB encerrando o ano em estilo em um cenário equilibrado, a grande torcida Blumer (alcunha de torcedor da CNB) ficou esperançosa para o que o ano seguinte poderia reservar à equipe de manajj.
O topo e o declínio
No primeiro semestre, a CNB finalmente inaugurou sua gaming house, no mesmo lugar que usavam temporariamente como centro de treinamento antes dos grandes campeonatos. Era de se esperar que a boa fase só melhorasse em 2014. A motivação era grande, e os jogadores estavam animados. Mana diz que ainda considerava tudo aquilo um hobby, mas que já sentia uma maior responsabilidade no trabalho de jogar.
Depois de uma grande reviravolta no cenário competitivo, times acabaram, times novos surgiram. A Keyd, que vinha de resultados ruins, contratou brTT (ex-paiN) e trouxe os coreanos SuNo e Winged para virar o cenário de cabeça para baixo, elevando o nível profissional da região. “Diria que em uma escala de 0 sendo nada e 100 sendo tudo, eles ensinaram a gente a jogar 100”, diz manajj. “A gente tinha uma noção boa de tudo, mas foram eles que abriram nossas cabeças para o próximo nível”.
No primeiro semestre de 2014, foi inaugurada a primeira liga competitiva oficial no país (CBLoL – Liga dos Campeões), e a CNB se manteve sempre nos primeiros lugares. O time de mana passou para a fase eliminatória invicta – mesmo tendo enfrentado a Keyd Stars e a paiN Gaming, ambas reforçadas com coreanos. A derrota, porém, veio logo na primeira fase das eliminatórias, diante da eterna rival paiN. “Acho que nosso psicológico afetava demais em jogos importantes, e isso se refletia no resultado”, resume mana. “Sempre fomos muito transparentes uns com os outros em questão de como estava todo mundo diante do time, era uma conversa quase que semanal”.
Depois de muita conversa, e treinos, a CNB conseguiu virar a mesa no campeonato seguinte, a Final Regional Brasileira, batendo a favorita paiN Gaming por 2-1, desta vez tirando a chance da rival de voltar ao International Wildcard, porta de entrada para o Mundial. “Tínhamos um bom plano contra eles, estávamos com a cabeça mais no lugar e jogamos tudo o que podíamos, foi muito difícil”, recorda manajj. “Eu honestamente achei que iríamos perder aquela semifinal”.
Uma semana depois, lá estava o Atirador e seus companheiros no Ginásio do Maracanãzinho para a grande decisão e uma conquista particular: era a terceira final brasileira consecutiva para manajj, Alocs e Leko. É de se pensar o que passou pela cabeça de cada um, sendo que alguns deles estavam naquela IEM 2012 jogando o primeiro presencial de grande porte do Brasil em frente a 50 pessoas. “Fiquei impressionado com a estrutura. Foi um sentimento inexplicável de realização, vendo que tinha conseguido virar um atleta de sucesso e uma pessoa bem sucedida no cenário do país”, diz mana.
“Acho que senti a mesma coisa da final de 2013, pois começamos bem e depois perdemos o caminho dos jogos. Perdemos mais fora do que dentro do jogo”, aponta manajj. A KaBuM, que havia entrado na Regional como “quarto time”, surpreendeu a todos ao eliminar a Keyd Stars na semi, e manteve a determinação na final, batendo a CNB por 3-1, também de virada.
A amizade, desta vez, não foi o suficiente para segurar a equipe junta. Após um ano e meio com apenas uma alteração – Danagorn por Revolta em janeiro/2014 – a equipe se dissolvia. “Pode ter sido natural. Não consigo dizer o que teria acontecido se tivéssemos vencido, mas é fato que a derrota influenciou muito”. Revolta e takeshi foram para a Keyd Stars; Leko, em seguida, iria para a paiN.
Uma mudança tão radical em uma das equipes mais constantes do Brasil poderia ter um resultado arrasador. Para mana, porém, foi mais um incentivo típico dos momentos difíceis: a mudança o motivou ainda mais, porém não por muito tempo. “Realmente não sei explicar por que não conseguimos montar uma equipe tão forte como antes. Acho que já estávamos [mana e Alocs] desgastados demais para começar do zero novamente, pois todos os times grandes que se separaram pegaram jogadores experientes, só nós que não”, conta o ex-jogador.
Fim da linha
E assim, o termômetro de motivação de manajj chegou ao zero. Mesmo com o grande começo de ano, o Atirador já não conseguia o mesmo foco nos treinos, e estava cansado do recomeço da equipe. O período de pausa em campeonatos oficiais no Brasil poderia ter sido utilizado para pensar na carreira, mas segundo mana, não foi preciso. “Não precisei nem me convencer que não queria mais ser um jogador profissional. Tudo o que estava acontecendo e como eu estava lidando com treinos e a rotina já me dizia tudo”.
Assim, manajj se aposentou.
Mas não antes de pedir a opinião dos mais próximos. “Alocs me ajudou muito com tudo. Ele ficou triste, é lógico, mas entendeu 100% que era o melhor para mim e disse que me apoiaria com tudo”, conta. “Clebão (Cleber “fuzi” Fonseca, diretor da CNB) e Alocs foram os primeiros a saber, eu disse pessoalmente. Foi tranquilo, mas me emocionei quando contei para certas pessoas”.
Com muito para processar e o fim da carreira já concluído, mana se deu um tempo de férias para arejar a cabeça e se movimentar. “Sempre joguei muito video game, mas jogava futebol e taco quando era menor também”, diz ele. “Voltei a correr e estou fazendo streams à tarde, e continuarei na CNB como streamer no futuro. Sempre fui meio whatever para tudo, mas agora penso em também fazer faculdade”.
Com uma carreira tão marcante, mana ainda será lembrado por muito tempo. “Não consigo sentir falta do competitivo ainda, e também não acho que sentirei falta de estar no palco jogando em frente a todos. Tenho na cabeça que não era mais isso que eu queria pra minha vida, mas ficarei feliz por quem estiver lá. Todo o tempo que joguei competitivamente foi muito bem gasto, se tivesse chance faria 100x de novo”. E pode ter certeza, mana, que nós seguiríamos todos os seus passos novamente.
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